domingo, 4 de outubro de 2020

Lançamento do filme: Mãe Terezinha Bulhões - um mar de amor no coração do Recife

 

Mãe Terezinha Bulhões – um mar de amor no coração do Recife

Lançamento do documentário em homenagem a Mãe Terezinha Bulhões, promovido pelo Quilombo Cultural Malunguinho em parceria com a Angola Filmes, inaugura o projeto Mourão que não bambeia de registro e preservação da memória e patrimônio cultural do povo de terreiro em Pernambuco.

Existe um mar de amor, caridade, verdade e fé no coração do Recife pulsando há 90 anos. Espalhando acolhimento e muito axé, Mãe Terezinha Bulhões é uma das juremeiras e iyalorixás mais antigas do Estado. Viva e ativa em seus trabalhos espirituais e sociais, com incontáveis filhos e filhas na religião, ela é uma referência importante da tradição de matriz africana e indígena no Brasil. Herdeira e continuadora das insígnias sagradas do candomblé e da Jurema Sagrada, Terezinha é um verdadeiro patrimônio vivo dos povos tradicionais de terreiro, tendo prestado assistência a toda sua comunidade ao longo de sua trajetória.

Como homenagem à sua caminhada e fundamental contribuição à nossa religião, Alexandre L’Omi L’Odò assume o papel de diretor e roteirista de um filme (média metragem) que registra a memória e história dessa grande liderança religiosa de nosso tempo, que não havia recebido nenhum registro oficial e documental sistematizado de sua existência, até então. Com produção audiovisual da Angola Filmes e realização do Quilombo Cultural Malunguinho e a Casa das Matas do Reis Malunguinho, o projeto Mourão que não bambeia tem como objetivo registrar e salvaguardar a memória, história oral e tradicional do povo de terreiro de PE, através de pesquisa, registro documental e audiovisual. A iniciativa faz nascer seu primeiro trabalho de memória oral dos grandes sacerdotes e sacerdotisas da religião de terreiro em Pernambuco.

A missão desse filme é eternizar a memória de Mãe Terezinha Bulhões, trazendo a iyalorixá como protagonista de sua própria história, mostrando à toda sociedade que ela existe e merece respeito. O projeto desfaz o apagamento da memória ancestral, afinal sabemos que existe uma lacuna imensa a ser preenchida sobre a história de nossa religião. Quase não há registros qualificados dos mais velhos dos terreiros e quando esses e essas morrem, toda sua trajetória se apaga no mar do esquecimento do racismo estrutural que nos assola socialmente.

Assim, o objetivo do projeto é barrar esse processo, abrindo espaço e escutando a voz de pessoas como Mãe Terezinha e tantas outras que merecem ser reconhecidas ainda em vida pela sua importante contribuição na história e desenvolvimento da sociedade como um todo.

Atenciosa, carinhosa e muito acessível, mesmo na altura dos seus 89 anos, ela dá atenção e ouve cada filho e filha. Realiza anualmente todos os ciclos festivos da religião e adora dançar um coco. Essa é a filha dileta de Iyemojá Sessú, uma mulher guerreira que tem muito amor para dar, mesmo tendo sofrido tanto em sua infância.

No coração do Recife tem um mar, um oceano de amor sim. Lá na Vila das Lavadeiras (Rua Palmares, nº 56, Areias) mora a felicidade e a resistência negro-indígena dos povos tradicionais de terreiro e toda sua história que forma a identidade deste país que precisa se encontrar consigo próprio para se reconhecer e prosperar. 

O filme será lançado no dia de seu aniversário, 07 de outubro de 2020, com apresentação de maracatu e coco, exibição do filme para toda comunidade e celebração coletiva com parabéns. Será um momento ímpar que devemos vivenciar.

Serviço

Lançamento do documentário e aniversário de 90 anos de Mãe Terezinha Bulhões

Data: 07 de Outubro de 2020

Horário: 19h

Local: Praça da Vila das Lavadeiras, Areias/Recife

Evento gratuito e aberto

Tomar todos os cuidados sanitários de saúde

Só poderão estar no lançamento quem estiver usando máscaras, álcool em gel e cuidando do distanciamento social.

É indicado a participação de 100 pessoas como orienta os órgãos superiores. Haverá contagem.

Contato:

81 99525-7119

www.qcmalunguinho.blogspot.com 

Alexandre L'Omi L'Odò

Quilombo Cultural Malunguinho 

alexandrelomilodo@gmail.com

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Seminário Malunguinho 185 anos vivo na alma de um povo

Seminário Malunguinho 185 anos vivo na alma de um povo

Um herói negríndio há 185 anos foi morto violentamente nas terras da antiga Maricota, hoje Abreu e Lima/PE. Foi comunicada e registrada sua morte em 18 de Setembro de 1835. Seu nome era João Batista, último líder do Quilombo do Catucá, conhecido como um dos malunguinhos, herói do povo negro e indígena de Pernambuco.

A luta e valor desses guerreiros que morreram por nós foi tão grande que seu povo os reconheceram e os imortalizaram na Jurema Sagrada como divindades, os Reis da Jurema, os Reis da Mata, os Reis Malunguinho, chefes mitológicos dos portões sagrados desta religião de matriz indígena do Nordeste do Brasil.

Malunguinho são muitos em um só, Ele, ou eles, são os únicos líderes quilombolas da história do país a terem sido deificados, certificando assim sua importância histórica na luta por liberdade dos negros(as) e indígenas na Mata Norte de Pernambuco, na primeira metade do século XIX.

Exú/trunqueiro, Caboclo, Mestre e Reis, classificações únicas desta força tão pungente que por mais de 40 anos lutaram no Catucá por liberdade, direitos iguais, reforma agrária e hoje continuam a luta do quilombo dentro de cada terreiro de Jurema Sagrada de Pernambuco.

No passar dos últimos 185 anos, assistimos a falsa “abolição da escravatura”, a luta por cidadania dos negros(as) e indígenas neste país. Vimos os movimentos negros crescerem e as lutas indígenas ocuparem gradativamente o cenário político. Assistimos o STF aprovar por unanimidade a legalidade das cotas raciais, e, antes deste fato, vivenciamos a efetivação das cotas para negros(as) e indígenas nas universidades. Vimos ainda o povo de terreiro de todo Brasil se levantar e partir para a luta por espaço político, se organizando em conferências nacionais de promoção da igualdade racial, cultura e direitos humanos entre outras. Muitos fatos de reversão histórica da posição desprivilegiada da população negra e indígena ainda estão em lento processo de consolidação, e Malunguinho, em seu cosmos, vivo na alma do povo do Catimbó, ajudou e ainda ajuda estas populações a sobreviverem a todas violações de direitos humanos, racismo e intolerância religiosa que nossa sociedade proporciona abertamente.

Nestes 185 anos, desde a morte de João Batista, último Malunguinho, o acolhimento, a defesa e a força de sua história ainda nos inspira a celebrá-lo pelos seus feitos que permeiam nossos cotidianos.

Nos últimos 19 anos o QCM – Quilombo Cultural Malunguinho, inspirado pela pesquisa do professor PhD Marcus Carvalho e pelo sonho do extermínio do racismo, resolveu trazer à tona a figura de Malunguinho como forma de revelar heróis negros e indígenas do Brasil. Estratégia de luta e resistência para o fortalecimento da auto-estima das populações negras e indígenas e povos tradicionais de terreiro, que sofrem sem grandes referenciais heroicas históricas. O QCM, que realiza diversas atividades entorno destes temas, mais uma vez celebra a memória de Malunguinho como nosso herói negro/indígena pernambucano, e também nosso patrono espiritual.

Em parceria com o Professor Dr. Marcus Carvalho (UFPE),  realizaremos o Seminário “Malunguinho – 185 anos vivo na alma de um povo”, em sua segunda edição quinquenal (evento que acontece de cinco em cinco anos para demarcar a importância histórica de Malunguinho e sua continuidade), com o objetivo de congregar os saberes acadêmicos sobre a história dos quilombos e resistências negras/indígenas em Pernambuco, com a tradição oral, a discussão sobre direitos humanos e racismo religioso, meio ambiente, história e os saberes tradicionais do povo de terreiro.

Esta atividade acontece fortalecida pela lei 13.298/07 (revogada pela lei estadual 16.241/17) da Semana da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei Malunguinho, e suas demais leis municipais de mesmo teor e nome: 2.285/09 (de São Lourenço da Mata); 5591/2017 (de Olinda) e a 18.562/19 (de Recife).

Em ano de pandemia, devido COVID-19 não poderemos fazer nosso encontro presencial para garantir nossa segurança e saúde. Faremos uma live especial para todas e todos com informações qualificadíssimas acerca de Malunguinho, sua história e mito.

Sobô Nirê Mafá! Malunguinho Vive e Resiste!


Serviço:

Seminário Malunguinho – 185 anos vivo na alma de um povo

Dia 18 de Setembro de 2020

Horário: 19 às 21h

Palestra Magna: Prof. Dr. Historiador Marcus Carvalho, titular de história da UFPE e especialista no Catucá e Malunguinho.

Sessão virtual no canal de YouTube: https://www.youtube.com/c/AlexandreLOmiLOdò

Será dado certificado:

Enviar Nome completo, RG, E-mail e telefone para o WhatsApp: 81 99738-2278

*Só será dado certificado para pessoas que participarem efetivamente da Live colocando comentários do início ao fim do evento, sendo conferido ao final por nossa equipe.


Informações gerais em: www.qcmalunguinho.blogspot.com e www.alexandrelomilodo.blogspot.com


Nos sigam no instagram: @quilomboculturalmalunguinho | @alexandrelomilodo | @kipupa_malunuginho | @cmdoreismalunguinho


Alexandre L’Omi L’Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
Coordenação geral
alexandrelomilodo@gmail.com 

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Juremeiros no combate ao COVID-19



Juremeiros no combate ao COVID-19

O juremeiro Alexandre L’Omi L’Odò manda mensagem de apoio à todas e todos orientando sobre questões ligadas ao combate ao COVID-19 e à quarentena, que está sendo bem difícil e solitária para muitas pessoas. 

Com os terreiros fechados, seguindo as indicações de segurança da OAS e outras instituições dos governos, muitas pessoas estão com dificuldades em obter caminhos espirituais e fazerem seus rituais de fé, sendo essa uma grande dificuldade para auxiliar na superação deste momento de tantas incertezas e lutos.

L’Omi orienta para que haja maior cuidado com nossos idosos das religiões de matrizes matrizes africanas e indígenas, que são nossas bibliotecas vivas, nossos maiores patrimônios, e também com nossas crianças, os/as herdeirinhxs de nossa beleza ancestral, que continuarão nossas tradições e lutas. 

Alerta para que ninguém ouça o “presidente”, salientando a necessidade de criarmos a consciência política de que o método neoliberal, sanguinário e racista almejado pelo governo mata aqueles que mais precisam de auxílio, os que se encontram nas camadas mais baixas da pirâmide social. Como para eles o lucro dos empresários vale mais que a vida, não podemos cair nesse discurso de sacrificar trabalhadores em prol da economia, fiquemos todas e todos em casa para o bem da humanidade. 

O sacerdote roga que possamos emanar nossas melhores energias positivas para os cientistas, profissionais da área de saúde e demais trabalhadorxs que estão fora de casa pelo bem maior, neste momento assumem papel de grandes heróis e heroínas perante tamanha pandemia mortal.

Esse vídeo é uma oração, um pedido de paciência e uma forma de dar apoio à quem precisar. Sabemos que os dias tem sido confusos e frustrantes, contudo temos certeza que logo passará toda essa fase e celebraremos juntxs a vitória frente à este mal da saúde pública. 

Compartilhem, levem essa mensagem ao máximo de pessoas possíveis. O povo de terreiro que sempre foi conhecido como o mais acolhedor, hoje usa as redes sociais para reverberar todo amor contido dentro de suas casas. 

Essa é a mensagem da Casa das Matas do Reis Malunguinho, esta é nossa fala. Que ecoe em todo planeta, para que façamos a cada momento um mundo sem males para nossa cura e paz coletiva. 

Sobô Nirê Mafá!
Saúde e vamos superar juntxs o Corona Vírus!!

Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Homenageadxs do Prêmio Mourão Que Não Bambeia 2019

Homenageadxs do Prêmio Mourão Que Não Bambeia 2019

O Prêmio Mourão Que Não Bambeia é uma comenda concedida pelo Quilombo Cultural Malunguinho à grandes mestres e mestras dos saberes orais da Jurema Sagrada, geralmente pessoas antigas na Ciência e que também são desconhecidas (ou não) do cenário religioso, que deram grande contribuição na preservação de nossa espiritualidade. O “Prêmio”, também pode ser concedido à lideranças que contribuem, ou contribuíram efetivamente na luta antirracista e em prol do povo de terreiro. O registro das micro-histórias desses e dessas baluartes de nossa religião, compõe um mosaico importante, contribuindo para o fechamento de lacunas históricas sobre nosso patrimônio imaterial e memória oral. A construção da “história vista por baixo”, faz-se urgente em nosso meio, afinal, lutamos permanentemente contra o violento processo de genocídio afro indígena, que não pode prosseguir, e por isso, não permitiremos que a história de vida dessas lideranças sacerdotais da Jurema e do candomblé se apaguem na poeira branca dos escritos brancos da academia e da suposta literatura brasileira.  

Os textos e entrevistas são escritos e orientados por Alexandre L’Omi L’Odò, juremeiro, historiador e cientista das religiões. A produção, transcrição e correção são realizadas por Henrique Falcão, afilhado de Jurema e graduando em Ciências Sociais pela UFRPE. Nesta edição, temos o texto especial de João Monteiro, omo Sangò e historiador, que nos revelou a história da Iyá Onilé Marìwó. Aproveitem e leiam a micro-história de cada um e cada uma de nossas referências da luta religiosa dos “herdeirxs da senzala”. Boa leitura e Trunfa Riá!

MÃE NAÍLDE DE TERTULIANO – RECIFE/PE
(90 anos de idade e 77 anos de Jurema)

 Mãe Naílde de Tertuliano. Foto: Acervo da família.

Nascida em 7 de Janeiro de 1929, Dona Naílde Alves da Cunha, conhecida religiosamente como Mãe Ná de Oxum “Jagurá”, é uma das mais antigas iyalorixás de Pernambuco. Juremeira discípula do Mestre Tertuliano e do caboclo Rei do “Orubá”, foi iniciada nas folhas da Jurema por Pai Adolfo de Caboclo Sultão das Matas.

Desde pequena chamava a atenção de sua mãe, pois ela via um caboclinho que perturbava seu sono, seu primeiro guia, caboclo Jaguaré. Sua mãe não gostava dos seus comportamentos mediúnicos, encaminhando a criança para sua irmã, que a levou para uma cessão espírita. Lá, Dona Nailde se manifestava frequentemente com o pequeno Jaguaré.

Desenvolvendo a sua mediunidade, aos 13 anos de idade foi iniciada na Jurema por Pai Adolfo, sendo discípula do mestre Zé Pilintra e Caboclo Rei de Orubá, que na época ainda não acostava na médium. Após a missão cumprida na terra, Mestre Zé deixou um companheiro para dar continuidade aos trabalhos com dona Naílde, dando vez ao seu mestre: Tertuliano. Certa noite, a jovem sonhou com seu caboclo, apresentou-se como um velho índio e informou que era um homem vivo. Depois desse dia ele passou vir regularmente na matéria de Dona Na.

Com o falecimento de Pai Adolfo, uma lacuna foi aberta na vida da jovem. A partir disso, tornou-se filha de Josefina Guedes de Oyá Dolú. Casou precocemente, contudo, infelizmente, seu marido Nelson Ferreira não aceitava “xangô” em sua casa. Desgostosa com o conflito, Naílde conversou com sua sacerdotisa buscando uma solução. A mesma chamou Nelson para uma conversa e revelou que independente de sua vontade a jovem teria que seguir a vida religiosa na Jurema e sucessivamente iniciar-se para o Orixá Oxum. Nelson afirmou que poderia vestir a divindade inteira de ouro, mas nunca deixaria um “bombo” ser tocado em sua casa. Após essas palavras, Naílde passou por diversos problemas.

Com o falecimento de Josefina Guedes, Dona Na procurou o babalorixá Manoel Mariano de Xangô Abominí para se tratar. Chegando lá ele se mostrou uma pessoa que não aceitava a Jurema, inclusive afirmando não acreditar nem gostar, porém, como ela já tinha sido iniciada, o babalorixá a aconselhou fazer um toque de catimbó, pois só assim sua vida iria melhorar. A jovem que não tinha casa aberta, realizou uma festa para as entidades na sala de sua casa, dando fim a seus problemas materiais e espirituais, enfim prosperando e iniciando um processo de harmonia.

Sentindo a cobrança do Orixá, Naílde procurou a mãe de santo Maria Madalena de Ogún Kalaxó, a rainha do Maracatu de Baque Virado Nação Elefante, e iniciou-se na tradição Nagô/Xambá. Consequentemente, seu marido não aceitou sua introdução no culto dos Orixás, entretanto, com a convivência, acabou aos poucos virando um devoto de Exu Tiriri, o Exu de Dona Na.

Para tirar a licença da casa na federação de cultos afro-brasileiros aos moldes intolerantes da instituição, os Juremeiros eram submetidos a processos humilhantes, que testavam até a veracidade das entidades. Passando por estas provações e enfim tendo a “permissão” de abrir seu terreiro na Rua Egas Muniz, 158, em Água Fria, popularmente chamada na comunidade de Rua de Batutas, fundou assim em 1947 o Centro Espírita Caboclo Rei de Orubá. Com casa aberta Dona Naílde deu continuidade à sua vida espiritual de forma mais ampla e próspera, gerando vários filhos e filhas de santo e Jurema.

A transmissão dos saberes ancestrais hereditários passou o Rei de Orubá para o filho caçula de Mãe Na, o falecido Nelson Filho, que passou a receber o caboclo até o fim de sua vida. Em seguida sua bisneta Jacicleide Silva de Assis (Obé Iná), foi escolhida para ser consagrada a mesma entidade. Depois de quase 40 anos, no dia 08 de abril de 2019, Rei de Orubá manifestou-se de forma emocionante e inédita em Mãe Na, gerando comoção em todos os presentes.

Decorrente a sua idade avançada, atualmente quem assumiu as responsabilidades da casa foi sua filha mais nova Nadira Cunha de Pombojira Cigana e seu neto Antônio Jorge de Arranca Toco.

Mãe Naílde é um patrimônio histórico vivo do povo de terreiro brasileiro, merecendo todo reconhecimento por estar no hall das juremeiras e iyalorixás mais antigas do país. Sua longa trajetória nos incentiva e ensina a superar todas as adversidades do racismo religioso, Mourão que Não Bambeia!


MARIA DO CARMO DE SOUZA – Iyá Onílé Màrìwó – LIMOEIRO/PE
(em seu centenário (1919 – 2019) in memórian)

 Iyá Onilé Màrìwó. foto: Acervo da família.

Neste ano a cidade de Limoeiro vai comemorar os 100 anos de nascimento de Maria do Carmo de Souza, mulher negra, agricultora, e grande líder religiosa da cidade que deixou um legado de resistência no local, o mais antigo Templo da Religião de Matriz Africana e Indígena em funcionamento neste Município.

Nascida na Localidade conhecida por Carro de Telha, zona rural de Limoeiro em 1919, num momento histórico de um Brasil engatinhando na primeira República e pouco mais de 40 anos pós-abolição da escravatura, num pais ainda sentindo o impacto daquela ruptura que não favoreceu em nada o negro brasileiro, mergulhando-os em profundo mar de incertezas.

Quebrando os paradigmas da época, Dona Maria do Carmo desde cedo se mostrou uma mulher independente de personalidade forte, decidida, como era o perfil do Orixá que regia seu destino, Ogum Alada Meji. Casou e teve um filho, Adeildo Braz de Souza, que criou sozinha após a separação do marido. Morou em Recife no bairro de Casa Amarela e retornou a Limoeiro, onde em 29 de junho de 1949 fundou o Ile Ase Ogum Alada Meji situado na Rua da Alegria, 524, casa construída por ela tijolo a tijolo.

Foi iniciada pelo grande Babalorixá Severino Eufrásio da Silva de Yemonja Nilé da Tradição Xambá que migrou de Alagoas no início do século XX por conta da repressão aos cultos Afros.

Apesar do perfil moralista judaico cristão que dominava a cidade de Limoeiro, Dona Maria do Carmo resistiu a todas as formas de preconceitos e intolerâncias, ampliou seu espaço tecendo redes de poder, sendo respeitada por políticos, e uma grande parcela das classes supostamente abastadas da sociedade limoeirense, principalmente o Coronel Chico Heráclito com quem desfrutava de uma amizade pontual.

São muitos os relatos de suas atividades religiosas desde o Culto tradicional aos Orixás a Jurema Sagrada, prática religiosa Afro Indígena muito comum na região nordeste, atendia a quem lhe pedia ajuda em suas aflições através do Caboclo Tupinambá, da Mestra Maria do Egito e por fim o Mestre Pé de Galo.
Sua múltipla pertenças religiosas ainda tinha espaço para devotar-se a Nossa Senhora e a São Jorge, este no imaginário afro sincrético religioso foi entendido como Ogum, dono do seu Ori (cabeça) e ainda São Sebastião sincretizado com Obaluaê.

Atualmente a IYÁ ONÍLÉ MÀRÌWÓ, nome iniciático que em Ioruba quer dizer: Mãe da Casa Palha, (palha feita da folha do dendezeiro, roupa que veste Ogum) tem sua memória preservada por seu Neto João Batista de Souza de Xangô Aganju, que mantém o Templo com dedicação e presteza junto a sua esposa Dona Hortência de Souza de Oyá Balajá.

As comemorações do Centenário vão acontecer de abril a dezembro, com exposições permanentes, rodas de diálogos, seminários, formações e muitas festividades.

Texto de: João Bamiléké Monteiro
Omo Sango, Historiador, Articulador Cultural

DONA MARIA DE GALO PRETO - PAULISTA/PE

Dona maria de Galo Preto. Foto: acervo da família.

Nascida no interior de Bom Jardim, no dia 15 de agosto de 1937, Dona Maria Flora de Freitas, conhecida religiosamente como Dona Maria de Galo Preto, ou Maria de Iyemojá, era afilhada de Jurema de João Virgínio Soares, juremeiro de Dois Unidos no Córrego da Camila e filha de santo de Eugênio Batista Neto de Xangô do bairro de Dois Unidos.

Órfã desde os 2 anos, sua atividade espiritual se inicia na infância. Levada a uma rezadeira local pelas suas tias, ao chegar na entrada da casa da senhora, teve sua primeira incorporação aos 7 anos de idade com a Cabocla Genoveva. Incorporada, subiu numa árvore de Jasmim, a rezadeira prontamente realizou um trabalho que cessou as correntes espirituais da criança, afirmando que sua missão começaria mais tarde.

Com 11 anos sai do interior e migra ao Recife para trabalhar como empregada doméstica em casa de família, morando na casa dos patrões. Completando 15 anos se casa com José de Freitas, um indivíduo que não tinha nenhuma relação com a religiosidade. Sua espiritualidade volta à tona quando Dona Maria fez 17 anos, uma doença misteriosa lhe toma e nenhum médico conseguia tratar de sua saúde ou descobrir o seu problema. Após longo tempo doente e passando por diversos profissionais, um deles afirma que seu problema era na realidade espiritual.  

Decorrente a intolerância religiosa, seu marido não aceitou o retorno de suas correntes de Jurema, levando-a para a Igreja Brasil para Cristo, piorando sua situação. Sem solução, introduziram a jovem no centro kardecista Investigador da Luz, no bairro da Encruzilhada/Recife. Lá ela começou seu tratamento espiritual através dos trabalhos com água fluidificada, infelizmente sua melhora não foi completa, o kardecismo não era suficiente para a neófita.

Seu marido, que trabalhava numa fábrica, angustiado com a situação, compartilhou seu pesar com o colega de trabalho João Virgínio Soares, que era sacerdote de quimbanda e famoso por seus trabalhos de bruxaria. João pediu que levassem a jovem até seu terreiro para tratar de sua espiritualidade. Chegando lá, Dona Maria desenvolveu suas correntes e começou a trabalhar com diversas entidades como: Manoel Maior, Pilão Deitado, Manoel Camilo, dentre outros, pois nesse período de introdução, o discípulo trabalhava com várias entidades, de acordo com a permissão de seu guia principal, que abria passagem para os demais.

Com 20 anos foi iniciada na Jurema por João Virgínio, revelando assim seu principal mestre, Galo Preto, também chamado de Zé do Galo quando trabalhava na corrente da direita. Junto de Seu Galo Preto, sua mestra era Ritinha, além da mestra Nêga Paulina “de um peito só”, sua mestra esquerdeira, como apresenta o cântico: “Salve a Mestra Paulina, a nêga de 1 peito só, trabalha na macumba desmanchando o catimbó”. Além da cabocla Genoveva, seu caboclo era Ribamar e nas reuniões de mesa se fazia presente o Mestre Antônio Olímpio.
    
O Mestre Galo Preto trabalhava continuamente, sendo considerado um mestre muito querido pelos demais filhos da casa, que viam nele um grande pai e não deixavam de agrada-lo sempre que possível. Com o falecimento de seu juremeiro em 1975, Dona Maria só se mantém vinculada ao terreiro de candomblé de seu pai de santo Eugênio Batista de Xangô, sendo ela a responsável por realizar a parte ritualística da Jurema Sagrada, que não era tão explorada no ilé axé.

Além do ilé de seu babalorixá, Dona Maria atendia clientes em sua própria casa em Dois Unidos, fazendo consultas e limpezas. Muda-se para Jardim Maranguape em Paulista, fixando sua residência e abrindo oficialmente seu terreiro: Centro Espírita Cabocla Genoveva, fazendo homenagem a primeira manifestação de sua guia espiritual. Genoveva nomeava a casa, mas o patrono era Galo Preto, que não só era o mestre, mas também o próprio juremeiro da casa, manifestando-se para fazer as obrigações do centro.

Infelizmente faleceu de problemas cardíacos com 75 anos no dia 29 de outubro de 2012, deixando hierarquicamente a responsabilidade religiosa para sua filha Miriam, discípula da Mestra Maria das Papoulas, que antes do falecimento da mãe já tomava iniciativa nas práticas litúrgicas, além de seu neto, Paulinho de Arranca Toco, responsável por resguardar o amplo repertório de “linhas” sagradas da tradição Juremeira de sua avó. Mãe Miriam nos relatou que após a morte de Dona Maria ela se organizou para despachar seus assentamentos nas matas, contudo, na madrugada, Dona Maria se materializou no pé de sua cama, cantou um antigo ponto de fundamento e pediu que nada fosse jogado fora. Mestre Galo Preto e as demais entidades mantem-se forte dentro de sua casa.

Dona Maria de Galo Preto é Mourão que Não Bambeia por ter contribuído com total entrega na preservação da memória e tradição oral da Jurema Sagra, sendo uma das sacerdotisas de maior importância nesse campo religioso. 

JOSÉ GOMES DE LIMA FILHO (PAI PEQUENO DE MALUNGUINHO) – PAULISTA/PE

 Pai Pequeno de Malunguinho. foto de felipe Scapino. Kipupa 2018.

José Gomes de Lima Filho nasceu em 28 de novembro de 1944 pelas mãos de uma parteira no Sítio da Várzea do Carpina, no município de Timbaúba, na Zona da Mata Norte do Estado de Pernambuco. Área canavieira de forte expressão cultural dos maracatus de baque solto, folguedo tradicionalmente ligado a Jurema Sagrada.

Tem como seu principal guia o Mestre Malunguinho, que desde cedo o apadrinhou e lhe ensinou a trabalhar no catimbó, tornando-o um Juremeiro muito respeitado.

Além da Jurema Sagrada, Seu José Gomes, mais conhecido na comunidade de Paratibe como Pai Pequeno, também dedica sua vida ao Orixá. Filho de Xangô Ogodô ele é egbomy da tradição do candomblé nagô, tendo mais de 50 anos de atividade religiosa no âmbito afroindígena. Fora iniciado pelas mãos da saudosa Iyalorixá Mãe Dada de Oxalá.

Atuou durante muitos anos de sua vida como feirante e mestre da medicina tradicional e popular, guardando saberes divinos de curas, sem nunca precisar passar por uma formalidade acadêmica na área de saúde, nascendo com a chamada ciência mestra da Jurema e sempre utilizando para ajudar os mais necessitados.

Atualmente no alto dos seus 75 anos de vida e de gaita sustenta, ele compõe o corpo sacerdotal do terreiro Axé Talabi em Paulista/PE e sem dúvida é um discípulo que resguarda uma ancestralidade que merece todas as homenagens e reconhecimentos dos mais velhos e mais novos. Seu Pai Pequeno de Malunguinho é Mourão que Não Bambeia e motivo de orgulho para todos nós.

PAI ALEX DE ZÉ DA PINGA - ARAPIRACA/AL

Pai Alex de Zé da Pinga. Foto: Acervo pessoal.

Alex Gomes da Silva, também conhecido como Pai Alex de Zé da Pinga ou Pai Alex de Xangô, nasceu em 24 de novembro de 1967 no município de Igaci, agreste alagoano que faz parte da região metropolitana de Palmeira dos Índios, território naturalmente ocupado por indígenas que ali perpetuaram sua cultura religiosa.

Seu contato com a espiritualidade começou cedo, entidades tentavam se comunicar com a criança que ainda não entendia nem sabia como agir, consequentemente isso preocupava sua família, que tampouco sabia lidar com as visões sobrenaturais que o menino tinha. Com 8 anos começou a ter irradiações que na época foram tachadas de “ataques. Um dia sua tia viu a situação e identificou que se tratava de problema espiritual, a solução foi leva-lo até um rezador que vivia mais isolado do centro de Igaci.

Sua tia que era colega da irmã desse rezador levou a criança para o juremeiro Liobino Joaquim dos Santos. Chegando lá, o homem abriu a sessão de Jurema, na ritualística das invocações espirituais Alex caiu no chão e teve sua primeira manifestação. Depois desse dia o garoto considerou-o como um pai, toda terça-feira ele mentia afirmando que ia sair para brincar, mas ia para casa de Liobino desenvolver suas correntes mediúnicas, sendo então iniciado na Jurema aos 8 anos de idade.

Aos 10 anos Alex entrou no candomblé nação Xambá, realizando suas obrigações de Orixá com a saudosa Mãe Judite Correia de Araújo Oxum Sisi. Entretanto, sua família não se agradou com todo o tempo que a criança passava dedicando-se à religião. Contra sua vontade levaram-no para a Igreja Batista, acarretando numa doença; trocavam de igreja, mas as dores eram contínuas. Não bastasse isso, nesta primeira fase da vida espiritual Alex sofreu perseguições, descobriram na sua escola que ele era “catimbozeiro”, acabou virando motivo de chacota, foi expulso da banda de música e tristemente até o apedrejaram.

Com catorze anos viveu um episódio importante na sua trajetória. O Mestre Zé Pelintra de um irmão de santo gostava de fazer testes para ver quem estava incorporado de verdade - espalhava urtiga no meio do salão e pedia pros espíritos comerem. No entanto, Zé Pelintra ordenou que Alex fizesse isso quando o mesmo não estava manifestado. Assustado, o jovem se preparou para fazer o que o Mestre mandou, até que inesperadamente perdeu a consciência. Quando voltou, todos no salão aplaudiam o espírito que acabara de baixar: Seu Zé Jurubeba, um homem forte, brabo e que passou a acompanhar aquele jovem.

Sua vida passou a ser uma confusão, recebia Zé Jurubeba todo instante, ninguém suportava a situação.  Ia para os bares, bebia e fumava muito, não pagava a conta e fugia, gerando problemas na delegacia. Passou a conviver com bêbados de rua e nesse tempo até levou tiro e facadas. Por estar se dedicando mais ao candomblé, tinha deixado de ir à casa do velho Liobino, mas vendo essa situação acontecer, ele foi procurar o padrinho. Chamaram Zé Jurubeba ordenando a condição de levar o discípulo para o caminho do bem, depois disso passou seis meses sem receber o mestre. Quando ele se manifestou novamente chegou saudando a Jurema Sagrada e para recomeçar bem deu seu novo pseudônimo: Zé da Pinga.

Hoje, com 52 anos, Alex é Juremeiro, mestre de cultura de Arapiraca, conselheiro do CONACAP e conselheiro fiscal do PROCON municipal de Arapiraca. É presidente da ONG Casa de Caridade, que atua numa periferia conhecida como “Cabaré Véio” e posteriormente, por conta de sua ação social, é também chamada de “Favela do Alex”. A Casa de Caridade atua desde 1998, mas só foi oficializada em documentação no dia 02 de fevereiro de 2005. A ONG tem inscrito 125 famílias, sendo 61 de catadores de recicláveis e os demais pessoas que vivem através do Bolsa Família.

Pai Alex considera-se “gerente” da Fazendinha de São José, pois o dono, segundo o sacerdote, é primeiramente Deus e em seguida Zé da Pinga, o grande patrono. A Fazendinha compõe um grande terreno dedicada unicamente ao culto da Jurema Sagrada, por ordem do Mestre da casa a primeira obra a ser edificada foi a capela dedicada a São José, em seguida foram construídas as demais propriedades ao redor, cada corrente espiritual tem uma casa separadamente da outra: uma para os mestres, outra para as mestras, caboclos, boiadeiros, Reis Malunguinho e pretos velhos. Segundo o IPHAN é o maior núcleo de Jurema do Brasil.

Liobino Joaquim dos Santos, seu sacerdote que hoje se encontra com 93 anos, infelizmente, decorrente ao AVC não consegue mais falar. Alex tem em seu padrinho de Jurema um pai, não deixando de cuidar daquele que tanto o cuidou, sendo um filho que acompanha toda a situação de saúde e bem-estar do mestre.

PAI CARLOS DAS ALMAS (IN MEMÓRIAN) – PEIXINHOS/OLINDA

 Pai Carlos das Almas ao lado de sua filha Yraê Odara. Foto: acervo da família.

José Carlos Martins, mais conhecido como Pai Carlos das Almas, nasceu no dia 04/01/1951, oriundo de uma família que não tinha oficialmente uma ligação com a religiosidade, contudo adquiriu uma herança oculta de Jurema e Quimbanda por parte de sua tia Amélia (que naquele tempo era chamada de bruxa) e de sua mãe Dona Maria Edinha, que deixou de cultuar após casar-se com seu pai, um fazendeiro que não aceitava a espiritualidade.

Foi criado na Rua da Regeneração no bairro do Arruda/Recife e logo na infância, com 7 anos de idade, começou a ser assombrado pelas entidades que se apresentaram cedo para a criança. Sua mãe preocupada levou-o para a juremeira Dona Mariazinha, que morava perto de sua casa, assim ele teve seu contato direto com a Jurema. A senhora sessou as visões e perturbações que ele estava sentindo, por consequência o menino ficou próximo da juremeira que tratou espiritualmente dele.

Recebeu sua primeira entidade com 8 anos, Caboclo Oxóssi, que lhe trouxe bênçãos e tornou-se seu guia. Sua família não satisfeita com a imersão religiosa que o garoto estava, forçou a criança a ser evangélico contra a vontade de suas entidades, levavam-no para se benzer no evangelho visando afastar os espíritos, contudo, o que aconteceu foi que eles se aproximaram cada vez mais.

Com 10 anos de idade ele teve um sonho muito forte, um gato subia em sua cama e ia crescendo até tornar-se uma mulher, quando acordou assustado não teve muito tempo de consciência, pois foi tomado pela sua pombojira Maria Padilha, que logo começou a fazer cobranças. Passou então a cultuar as Almas desde criança, assumiu internamente sua fé e passou a conviver com antigos sacerdotes de respeito para aprender com os mais velhos.
Depois de Maria Padilha, o trunqueiro Tranca Rua também se apresentou, sua Mestra Maria Rosa, que tem grande importância para a família, pois a mestra deu o nome dos seus nove filhos (todos em Yorubá ou tupi) e seu saudoso Mestre Sibamba que trabalhou incansavelmente na matéria até terminar sua missão com Carlos, encontrando a luz e deixando seu companheiro Zé do Tombo para assumir o papel de mestre da casa.

Além da Jurema, ainda jovem, Carlos assumiu a tradição nagô da rama de Pai Adão. Seu primeiro babalorixá foi José Romão Felipe da Costa, contam que ele acompanhava Romão mesmo pequeno, sendo muito querido pelo famoso babalorixá. Em seguida foi ser filho de santo de Humberto Turiabê de Xangô e Maria José de Oyá (sacerdotes do Pina que também mantinham a rama do sítio). Contudo, decorrente ao falecimento de seu babalorixá, Oxoguian solicitou um sacerdote para manter suas obrigações, mudou-se então para a casa de Raminho de Oxóssi.

O terreiro de Pai Carlos localiza-se no bairro de Peixinhos/Olinda e está aberto a 33 anos, ele iniciou por volta de 135 filhos espalhados pelo Brasil, muitos hoje com casa aberta. Sua família biológica tem grande participação nas atividades litúrgicas. Sua esposa Claudete de Oxum é a sacerdotisa e todos os nove filhos seguiram a religião e cresceram na vida sacerdotal. Preparados muito bem pelo pai, todos deram continuidade ao culto de jurema e quimbanda nos mesmos moldes que Pai Carlos ensinou.

Fora do âmbito religioso ele foi funcionário público, pessoalmente Carlos era muito alegre, extrovertido e brincalhão, contudo, na hora da obrigação religiosa ele se transformava e ficava altamente rígido, exigente e bastante temente as entidades, agia com muita seriedade. Os mais próximos afirmavam que ele tinha duas faces: uma na hora da religiosidade e outra fora.

Infelizmente faleceu no dia 11/03/2019 as 08h da manhã por uma doença cardíaca herdada hereditariamente, deixando saudades no coração de toda a família e comunidade de Peixinhos. Pai Carlos é mourão que não bambeia por ter lutado contra o racismo dentro de sua própria família, vivido toda a sua vida buscando fazer a decoloneidade dentro de sua comunidade, através de uma espiritualidade de garra e resistência.

MÃE LOURDES DE ZÉ DOS ANJOS (IN MEMÓRIAN) – RECIFE/PE

Mãe Lourdes de Oxum. Discípula de Zé dos Anjos. Foto: Acervo Quilombo Cultural Malunguinho.

Maria de Lourdes Pereira de Almeida, filha de pais extremamente católicos teve que enfrentar desde pequena muitas atribulações para dedicar-se a sua missão, já que seus pais não aceitavam em hipóteses alguma ter uma filha de outra religião. Segundo ela, de seu quarto ouvia as toadas que tocavam num centro próximo a sua casa e aquilo parecia um chamado, que a deixava inquieta, porque sua vontade era de ir até o centro. Após seu pai ficar doente e uma de suas entidades juremeira ajudou a resolver o problema, foi que as coisas foram sendo amenizadas.

Ainda na adolescência, contou com Pai Raminho de Oxóssi, que além de seu pai de santo, foi seu amigo fiel e com sua mãe a Yalorixá Zeza de Yemanjá recebeu seus direitos na Roça Osùn Opará Oxóssi Ybualama. Seu barco foi composto pela Yalorixá Esmeralda de Oyá.

Segundo Mãe Lourdes, seu pai biológico após ter alcançado a graça, enquanto sua filha cumpria seus 3 meses de resguardo mandava frutas e outras coisa para agradar a filha. Além de sempre procurar saber como ela estava.

Com o tempo, sua vocação só aumentava, suas entidades juremeira que sempre foram muito trabalhadoras e justas, começaram a ganhar fama e as pessoas passaram a procurá-la na casa de seus pais para fazer consultas. Mas isso nunca lhe subiu à cabeça e seus pés sempre estiveram muito bem fixos no chão.

Os anos se passaram, casou-se com um esposo, Sr. Milton, que por sua generosidade merece ser mencionado nessas linhas. Sempre a respeitou e ajudou a construir a casa e o Centro que hoje recebe e ajuda tantas pessoas. Com ele teve 5 filhos: Lélia de Yemanjá, João de Xangô Ayrá, Patrícia de Oxum Opará, Ayla de Oyátogum e um outro que não resistiu. Vale ressaltar que ela sempre contou com Mãe Célia de Oxum, sua filha de santo e mãe pequena da casa, que a ajudou a criar seus filhos biológicos e seus filhos de santo, além de ter sido uma irmã de criação.

A Roça de Oxum Olôomi Gandê, localizada à Rua Caçapava, nº 249, no bairro Alto Jardim Conquista, na Cidade de Olinda, onde a fundadora, a Yalorixá Lourdes de Oxum Opará viveu e por amor ao seu Orixá e sua Jurema dedicou sua vida à caridade.


MESTRA TECA DE OYÁ (TEREZINHA JOSÉ DOS SANTOS) - RECIFE/PE

 Mestra Têca de Oyá. Foto de Clédisson Junior.

Terezinha José dos Santos, mais conhecida como Têca de Oyá, nasceu no dia 11 de junho de 1945 na cidade do Recife, crescendo no bairro de Campo Grande. A “ekeji” é famosa por ter um modo único de cantar, dançar e interpretar as toadas da Jurema Sagrada e dos Orixás, considerada uma mestra, seu domínio em abalar todas as correntes espirituais faz ela ter distinção por qualquer lugar que passe.

Têca nos conta que seu primeiro contato com a religião foi muito nova, pois tinha um terreiro ativo em sua rua que nas festividades de São Cosme e Damião distribuía doces para as crianças da comunidade e organizava brincadeiras para entreter os pequenos, assim ela começou a frequentar a casa de axé de quem futuramente seria sua zeladora, dona Lindalva de Oliveira de Oyá.

Lá ela afirma que começou a sua vida, com 8 anos foi pela primeira vez e se apaixonou, passou então a visitar a casa além do Cosme e Damião, indo para as giras ainda criança, ela afirma que assistir aquela celebração era o mesmo prazer de estar brincando e se divertindo, logo cedo Têca interpretou seu amor pela Jurema nos moldes da sensibilidade de uma criança.

Sua zeladora era muito rigorosa e severa, trabalhava com muita seriedade, o Mestre da casa era Seu Zé de Aguiar, cuidava espiritualmente de Têca e dos demais que ali vinham pedir suporte, ela lembra que seus trabalhos na Jurema geravam muitas curas e resoluções de doenças graves, memorando um dia marcante que o Mestre curou uma criança com tétano com os saberes da ciência mestra antes que a enfermidade passasse para o sangue.

Considerou-se filha da casa quando estava em sua fase de adolescência, com 16 anos firmou a ideia que seu caminho era ali, principalmente após ouvir um recado de sua iyalorixá Mãe Linda (como era chamada): “Você nunca procurou Jurema, a Jurema que lhe procurou, você não procurou o Orixá, o Orixá que lhe procurou!”. Dona Linda tinha uma grande confiança em Têca, começou inserindo a jovem nas reuniões de mesa até o ponto de pedir que a filha abrisse a Jurema dela, que com grande aptidão era iniciada com lindos louvores de fundamento.

Aprendeu a cantar sozinha, observando sua sacerdotisa e em seguida se fazendo presente em vários terreiros com o intuito de aprender andando, gerando um grandioso acervo de cânticos sagrados em sua cabeça. Têca conta que lhe julgavam por ser uma jovem e de aparência franzina, mas quando começava a cantar todos se admiravam com a potência de sua voz e de seu conhecimento de saber puxar as toadas certas nos momentos devidos. Contudo, Mãe Linda não era a favor de ver a filha andando pelos terreiros por aí, sempre que viam a jovem cantando em outro terreiro sem ser sua casa corriam para avisa-la e a reclamação chegava rapidamente nos ouvidos de Têca.

Na Jurema, mestra Têca é afilhada de Malunguinho, ela contou os diversos recados que já teve, chegando até a vê-lo no pé de sua cama, se apresentando materializado. Quem acompanha Malunguinho em sua corrente espiritual é a Pombojira Maria Padilha. Na parte do Orixá ela é de Oyá com Xangô, tendo também uma devoção muito grande por Obaluaiyê. O primeiro peru que ela ofertou para sua santa foi na casa de Raminho de Oxóssi, seu pai, além de Mãe Lindalva. 

Um grande recado que Têca nos deu foi quando ela afirmou que um dos fatores para a Jurema ser tão sagrada para ela foi por que ela aprendeu a beber dentro do culto e deixou de beber dentro da Jurema também. Esse fato salienta as relações de sagrado e profano presentes na nossa tradição. Quando nova começou a beber acompanhando as entidades, acarretando infelizmente em um vício, que segundo ela a própria Jurema teve o poder de tirar, como ela frisou “a Jurema tanto amarga, como cura”, quando lembrou dessa graça alcançada. 

Mestra Têca resguarda os saberes ancestrais herdados no seu sangue negro, é unanime seu merecimento de ser Mourão que Não Bambeia, uma das homenageadas do Kipupa Malunguinho fazendo jus aos seus 66 anos de vivência dentro da Jurema Sagrada e do candomblé Jeje-Nagô, sua voz continuará ecoando em todos os terreiros com o respeitado que deve ser dado a sua pessoa.

Alexandre L’Omi L’Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

sábado, 21 de setembro de 2019

XIV Kipupa Malunguinho – Coco na Mata do Catucá 2019 - CONVITE



XIV Kipupa Malunguinho – Coco na Mata do Catucá 2019
CONVITE

Dois ciclos de sete anos, vamos comemorar, 14 anos de lutas no Quilombo do Catucá!!

Angola Filmes, na pessoa de seu coordenador Adriano Lima, nos concedeu esse lindo material audiovisual para comemorar nossos 14 anos de luta. Com competência, sempre nessa parceria afro indígena e quilombola, levamos à frente a luta do Catucá. Obrigado.

Com realização do QCM – Quilombo Cultural Malunguinho, e Casa das Matas do Reis Malunguinho e apoio da Prefeitura de Abreu e Lima, entre outros parceiros e parceiras, eis que as matas sagradas da Jurema, no Quilombo do Catucá, abrem-se mais uma vez pra receber seu povo no Festival XIV Kipupa Malunguinho – Coco na Mata do Catucá.

No dia 29 de Setembro de 2019, de 09 às 18h, em sua décima quarta edição, o maior encontro de juremeiros e juremeiras do Brasil, trará uma programação rica e diversa de religiosidade de matriz indígena e africana, com muitas novidades, além de seu caloroso grito por união, luta contra o racismo e intolerância religiosa.

As novidades são muitas. Nosso cartaz produzido pelo artista plástico Bozó Bacamarte dá início a um ciclo de produção artística inovadora em nossa trajetória. A cada ano um artista diferente desenhará nossa identidade visual fortalecendo a beleza que a Jurema tem. Com a força da xilogravura, abrimos esse processo criativo pelas mãos desse grande artista pernambucano.

Entre suas atividades:

1.    Teremos o tradicional ritual coletivo às entidades e divindades das matas, que a cada ano concedem muitas graças na vida de quem com fé, vai fazer suas oferendas e firmações.
2.    A 3° Feira Pretíndia Malunguinho da Economia Solidária, que reunirá barracas com membros do povo de terreiro, que venderão artigos religiosos e artesanatos, instrumentos, livros, etc. Relacionados à Jurema e ao povo de terreiro e cultura tradicional em geral;
3.    O 3° Kipupinha, com atividades educacionais, organizadas pelo Ilé Orisanlá Talabí, com contação de histórias e atividades especiais para a criançada de terreiro. Ainda, será montado um mini parque de diversão e será distribuído o tradicional “Cosme e Damião”;  
4.    Etapa Educativa do Kipupa – Serão realizadas três palestras de formação para alunos e alunas de escolas públicas e interessados com trilha ecológica na mata sagrada do Catucá. Essa atividade, será realizada entre os dias 12 à 20 de Setembro, como parte da Semana Estadual da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, Lei Malunguinho 13.298/07. Inscrições gratuitas pelo fone 81 99738-2278 (whatsApp) ou pelo e-mail: quilombo.cultural.malunguinho@gmail.com
5.    Serão realizados quatro shows de alto nível, todos de grupos e artistas da cultura popular, com grandes mestres e mestras do coco e da mazurca, como Grupo O tronco da Jurema e Mestra Ana Lucia do Coco, Lucas dos Prazeres, Coco das Estrelas e Orquestra do Axé;
6.    Serão realizados dois cortejos no chão, pelo Grupo de Bacamarteiros Mandacaru, que abrirão o evento com a saraivada de tiros da paz, comemorativos aos 184 anos de Malunguinho na Jurema e o Maracatu Nação do Reis Malunguinho, que fará terra tremer com seu baque virado.
7.    Será realizado o Primeiro Encontro de Calungas Gigantes de Pernambuco, com a recepção do Calunga Gigante de Malunguinho e a presença da Calunga da Mestra Paulina e de Tranca Ruas.

Este é um ano de grande significado na nossa trajetória. Concluímos dois ciclos ininterruptos de culto à Malunguinho nas Matas do Catucá. Para a Jurema, sete anos significa a conclusão do primeiro estágio da vida, e quatorze, significa o amadurecimento para a fase adulta dos discípulos, por isso, no nosso segundo fechamento de ciclo religioso, faremos grande ritual em homenagem ao Reis das Matas, preservando sua memória com muito amor e certeza de continuidade da luta do Catucá.

O Kipupa é o lugar das possibilidades espirituais. Lá, quem busca respostas, pode esbarrar em uma entidade que lhe revele os caminhos da vida... Lá, também, remédios podem lhe ser dados para a cura de todos os tipos. Nas matas sagradas, quem desejar sentir a força verdadeira das raízes da Jurema, vá com o coração limpo para receber a graça da força da natureza em sua mais pura essência. Pisar no chão, sentir o cheiro da fumaça da Jurema, beber seu sagrado vinho, sentir os tambores bater e vibrar na pisada do coco com todo povo de terreiro que se faz massiçamente presente, é uma chance de aprender e trocar saberes.  A espiritualidade Encantada, abraça todas e todos que a procuram, e no maior encontro de juremeiros e juremeiras do país, o que mais estará presente é a beleza dessa força milagrosa que transforma vidas.

Venha celebrar conosco a força da memória do Reis Malunguinho na Jurema Sagrada. O Nosso herói negro/índio pernambucano que com sua ciência mestra nos ensina a lutar juntos por união e amor entre os povos. O Kipupa é união, é coletividade e respeito, é resistência do Povo da Jurema. Vem kipupar!

Atrações artísticas:

Cortejos:

09h - Bacamarteiros Mandacaru
09h30min - Maracatu Nação do Reis Malunguinho
10h – Primeiro Encontro de Calungas Gigantes de Pernambuco
10h40min – Procissão de Malunguinho para dentro da mata sagrada (ritual de Jurema)

Shows

12:30h – Coco das Estrelas
13:30 – Grupo O Tronco da Jurema e Mestra Ana Lucia do Coco
15h – Orquestra do Axé
16h – Lucas dos Prazeres

Homenageadxs do Prêmio “Mourão Que Não Bambeia”:

1 - Mãe Naílde de Tertuliano e (90 anos de idade e 77 anos de Jurema) – Recife/PE
2 - Dona Maria de Galo Preto - Olinda/PE
3 - Pai Alex de Zé da Pinga – Arapiraca/AL
4 - Maria do Carmo de Souza – Iyá Onílé Màrìwó (em seu centenário in memórian) – Limoeiro/PE
5 - Mãe Lourdes de Oxum (in memórian) – Recife/PE
6 - Pai Carlos das Almas (in momórian) – Peixinhos/Olinda
7 - Mestra Têca de Oyá (Terezinha José dos Santos) - Recife/PE
8 - José Gomes de Lima Filho (Pai Pequeno de Malunguinho) - Paulista/PE

Sobô Nirê Mafá Reis Malunguinho!!
Trunfa Riá!!!

Contatos:

81. 98887-1496 (Oi) / 99525-7119 (Tim) / 99428-7898 (Vivo) / 99955-9951 (Tim)

quilombo.cultural.malunguinho@gmail.com

Coordenação Geral: Alexandre L’Omi L’Odò – alexandrelomilodo@gmail.com
Palco e coordenação de produção: Ricardo Nunes – josericardo.nunes@hotmail.com
Equipe de produção: filhos e filhas da Casa das Matas do Reis Malunguinho

Alexandre L’Omi L’Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com